Crenças que desafiam a lógica

Nos dias que correm é provável que já se tenha questionado porque é que algumas pessoas parecem irredutíveis nas suas crenças em relação a determinados fenómenos, mesmo quando o conhecimento, a lógica e os factos apontam na direção oposta.

Para perceber porque é que isto acontece, hoje vamos falar-lhe de dissonância cognitiva, um conceito desenvolvido por Leon Festinger em 1957 para descrever o desconforto psicológico causado quando uma pessoa possui duas crenças, atitudes ou comportamentos contraditórios.

 

Festinger e a Irmandade dos Sete Raios

Quando estudava a formação de crenças, este psicólogo americano tomou conhecimento de que os membros da seita Irmandade dos Sete Raios, no estado do Illinois, se preparavam para um dilúvio de proporções bíblicas. Certos de que o fim estava eminente e de que a única hipótese de obterem a salvação seria através do culto aos seres superiores do planeta Clarion, que os resgatariam num disco voador, os membros desta congregação abandonaram os empregos, desfizeram-se dos seus bens materiais e cortaram relações com quem não partilhava desta crença.

Apesar de, chegada a data, a profecia não se ter realizado, Festinger notou que apenas uma pequena parte dos membros foram capazes de reconhecer o logro em que haviam caído e abandonar o culto. A maioria reforçou a sua convicção na profecia, criando uma narrativa alternativa para explicar os acontecimentos: o mundo havia sido poupado devido à devoção dos membros da seita às divindades de Clarion.

De acordo com Festiger, quando alguém se confronta com factos que contradizem as suas crenças, arranja uma estratégia curiosa para lidar com o desconforto psicológico: utiliza a racionalização para tornar as provas externas consistentes com as suas crenças antigas. É isto a dissonância cognitiva.

A dissonância cognitiva e o autoengano na vida quotidiana

Apesar de Festinger ter desenvolvido este conceito a partir de um acontecimento pouco comum (a crença dos membros da Irmandade dos Sete Raios no fim do mundo), a verdade é que a dissonância cognitiva se manifesta nas escolhas mais banais. Um exemplo clássico é a pessoa que continua a fumar, apesar de saber que o tabaco é extremamente prejudicial à saúde, provocando dificuldades respiratórias, fadiga crónica e até cancro.

A discrepância entre o conhecimento de que fumar é nocivo e a ação de continuar a fumar gera um estado de tensão interna, que o sujeito tenta reduzir através de justificações como “de que serve viver muito tempo, se não posso aproveitar a vida?”, “conheci uma pessoa que fumava dois maços por dia e viveu até aos 90” ou “se parar de fumar, vou engordar”. Este processo de racionalização, correspondente a um tipo de autoengano automático e muitas vezes inconsciente, elimina a contradição e permite a manutenção do comportamento.

O autoengano funciona como uma estratégia para diminuir o desconforto da dissonância cognitiva, mas nem sempre é uma solução saudável, pois distorce a realidade e ignora factos inconvenientes para justificar as crenças ou comportamentos.

No entanto, o biológo Robert Trivers oferece uma perspetiva alternativa sobre o autoengano: a sua função evolutiva não se destina apenas a reduzir o desconforto gerado pela dissonância cognitiva mas, sobretudo, a aperfeiçoar a capacidade de melhor enganar os outros. Isto é, o indivíduo que oculta a verdade de forma inconsciente não está exposto a sobrecarga emocional e cognitiva e, como tal, não revela os sinais comportamentais que podem acompanhar a mentira consciente, escapando à sua deteção.

Inconsciente ou não, o autoengano está profundamente enraizado no modo como funcionamos. Vejamos alguns exemplos:

Alimentação e saúde:

Comportamento ambiental e consumo:

Relacionamentos

Consumo de álcool e comportamento

Negligenciar o exercício físico

Tanto a dissonância cognitiva como o autoengano são processos naturais inerentes ao ser humano, que aliviam o desconforto psicológico e facilitam a integração social. Como tudo na vida, estes fenómenos apenas se tornam problemáticos quando toldam demasiado a visão da realidade e criam um alheamento social.

Bibliografia

Baêna, T. S. (2024). Detetar mentiras: Manual para ler nas entrelinhas da verdade. Lisboa: Manuscrito.